Ouse. Ouse tudo.

"Pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não"

terça-feira, janeiro 02, 2007

Essa carta...

Querido A.:

Começar essa carta me parece estranho, aliás, jamais pensei que te escreveria algo um dia. Terminaríamos por telefone, como é de costume, como se costuma fazer quando nao deseja-se a intimidade de "olhos nos olhos". Seria simples. Eu diria: Foi maravilho mas agora seguiremos nossos caminhos, sempre soubemos que isso terminaria assim. E vc concordaria e me diria que adorou me conhecer e me desejaria sorte. E outros dias viriam em que substituiríamos os coadjuvantes de nossas histórias. Era pra ser assim. Deveria ser assim. Como nao?

Vc quebrou as regras, amigo. Ontem, nao me lembro em que momento, aliás, me lembro de poucas coisas que aconteceram pq bebi um pouco a mais quando vc resolveu quebrar as regras, vc me desequilibrou. Ela está aqui ao meu lado, agora. Provando-me que vc realmente foi indelicado comigo. E eu te tratei tão bem. Deixei vc sentar em minha mesa e me pagar um drinque. Isso nao estava no meu roteiro naquela noite. Conversava com minha amiga sobre um outro coadjuvante que estava sendo um cavalheiro. Em nenhum momento me oferecia rosas e dizia que me amava. Ele estava cumprindo o acordo: nada de desequilíbrios, um final certo e tranquilo. Uma época que viria sem contratempos. Lembra que eu te falei sobre isso? Disse que essas eram as condições pra que entrasse em minha vida? Eu jamais pensei que vc esqueceria isso! Confiei em vc, desmereço essa indelicadeza com a qual vc vem me tratando. Minha cabeça dói. Tenho trinta e seis anos, A.. Costumei, há muito, deixar minhas ressacas pra época da faculdade. Não me desequilibro, tenho uma estabilidade na vida que me é confortavel. Essa é minha casa: limpa de surrealismo, avessa a qualquer tipo de existência que vá além do que a que já tem. Vc manchou minha casa, A. Ontem, eu lembro: a rosa... e ela ainda está aqui. Vc nem ao menos teve a dignidade de limpar a sujeira de ontem. Nem ao menos reconheceu o erro. Me disse que nao aceita presentes de volta e que ela era minha, que não poderia entregá-la a mais ninguem! Acho que eu gritei um pouco, nao é? E até chorei. Viu o que vc fez comigo? Eu nao chorava há 7 anos, A..Sete...sete benditos anos em que eu conheci vários coadjuvantes que cumpriram perfeitamente seu papel. Entravam e saiam sem tirar nada do lugar. Eu passei 7 anos sem ouvir um "eu te amo", A. Vc nao poderia ter mudado isso. Não. Eu não mereço, eu te tratei bem. Acho até que te tratei melhor que todos os outros. Lembro que nunca dividi momentos íntimos meus com nenhum deles. Lembra que eu te dei a chave de minha casa? "Pode ficar, por enquanto. Te direi quando me devolver". E vc sorriu.... Eu acho que eu sorri de volta tbm... Lembra do dia em que, esquecida que vc poderia a qualquer tempo invadir minha casa, com minha propria permissao (a chave), vc entrou e ficou me observando enquanto eu cantava Beatles de olhos fechados? Por quanto tempo vc ficou ali? Eu costumo passar horas amando ao som de Beatles. Eu costumo esquecer-me de tudo, ali. Por quanto tempo? 2 horas? 3? Eu sonhava e vc me despertou. Estranhei vc ali, no meu momento. Mas sabe? Resolvi te mostrar minha coleção e ficamos ouvindo meus cds. Nunca mais tinha feito isso com ninguem desde... vc sabe, eu jah te falei. 7 anos...
Ele era lindo e tinha uns olhos escuros como a noite. Me perdia ali. A...fazia tempo que eu evitava pensar no rosto dele. Agora lembro: seu sorriso, minha vida, as milhoes de coisas que dividíamos, meu lar completamente invadido e desarrumado e eu sem me importar, achando lindo. Era lindo ter a vida pelo avesso. Era lindo o desequilíbrio com que vivíamos e desfrutávamos os momentos... mas acabou. E como eu fiquei? Só... A ultima rosa que eu vi foi a que ofereci pra ele, chorando. Ele nao sorria mais e nem cantava comigo. Eu estava só... Vc nem imagina como meus dias passaram até que eu resolvesse preenche-lo com algo que nao me afetasse e nao me fizesse chorar ou temer perder, de novo.
Vc me ofereceu uma rosa e disse q me amava? A ultima rosa que eu queria ter na lembrança era a que eu entreguei a ele, entende? Símbolos de amor, amor, ninguém tem o direito de colocar-me diante disso! E eu te tratei bem e entreguei minha chave...
Peço, por favor, que a deposite na portaria. Não quero mais vê-lo e digo, desde já : vou despedaçar chorando aquilo que me entregaste ontem. Vc me fez chorar de novo, A. Vc nao tinha esse direito.
Acho que devo ter falado algo a mais, ontem. Bebi muito, esqueça. Não era nada. Se eu te dei esperanças e aceitei que vc depositasse aquilo do lado de meu leito, retiro agora. Vc nao é mais que um coadjuvante, sinto muito. Vc quase desequilibrou o roteiro da minha vida. Eu nao preciso mais de atores fortes. Deposite a chave na portaria, por favor.

S.M.



(Texto de P.M.)

1 Comments:

  • At 12:31 PM, Anonymous Anônimo said…

    Paula, você escreve muito bem. Adorei seus textos, acho que deveria publicar. Abração menina.

     

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