Ouse. Ouse tudo.

"Pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não"

quarta-feira, novembro 15, 2006

Ela

Ela sentia respeito pelo amor, pela vida e pela morte. Sentia respeito por tudo que considerava extremo e grande. Nao conseguia fazer-se pequena ou vislumbrar espaços diminutos em que coubesse. Seria arrogância nao imaginar-se menor? Se da beleza fazia moradia e só dos campos mais verde colhia as flores, o que fazer com o que desprezava? E o que desprezava??
Um minuto se perde como se nem existisse. Do que adiantava valorizar poucas horas se nao passavam de minutos que se perde? O que é o desespero de sentir falta de minutos que nunca foram de verdade seus?
Ela buscava as lembranças boas. Egoísta, fingia que coisas ruins jamais acontecera. Esperta, planejava os minutos seguintes para que, bem dotados, nao passassem a ser ignorados. Vaidosa, limpava a pele das impurezas do dia. Cuidadosa, planejava cada passo, protegia-se do frio, da poeira, da sudorese, mas ao final, limpava a pele das impurezas que evitara com esmero. Inutilmente, encorajava-se a seguir em frente mesmo que nao acreditasse no que vinha a seguir. E se seguia sua marcha inútil, desacreditando nela, o que restaria ao final? E o que sentiria por esse final desconhecido que nem pretendera?
Ela sentia respeito pelo amor, entao seu batom mais vermelho servia-lhe como espada cortante de corações descuidados. Usava sua boca,para afastar perguntas e ânsias de querê-la demais. Evitava questoes que lhe roubassem qualquer coisa ou tiraria-a de si. Racionalizando um beijo, calava as perguntas sem respostas. Planejando um novo encontro, visto que este era perigoso pra si, dava um sorriso de adeus, e entao desborrava os lábios. Deixava sua marca em mais um. Ia adiante como se tivesse sido apenas uma volta de um passeio agradavel, em vez de uma fuga de quem, colocando o ponto final numa frase, escrevia o parágrafo seguinte como se pudesse mudar todo o rumo da história.
E retirava a cinta-liga pra dormir. Liberta de todo e qualquer controle dela sobre si, sonhava. E sonhava diferente. Nem chegava a ser ela em sonho. Como poderia existir uma dela assim? Desprendida, solta, vívida, voraz?

Ela sentia respeito pelo amor, pela vida e pela morte. Sentia respeito por tudo que considerava extremo e grande. Nao conseguia fazer-se pequena ou vislumbrar espaços diminutos em que coubesse. Em sonho.

Paula Morrison.

2 Comments:

  • At 10:44 AM, Anonymous Anônimo said…

    Ouse, ouse tudo. Muito bom.

     
  • At 1:16 PM, Anonymous Anônimo said…

    .

    É incrível como uma pessoa consegue ser tão sensível ao ponto de estar tão longe de mim, e conseguir estar tão perto ao mesmo tempo, escrevendo um espelho pra mim. Sim, porque esse texto sou eu.

    =*

    Amo-te!

    .

     

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